segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Da malandragem à generosidade. Eis o carioca

“O carioca é aquele que sai na escola de samba
O carioca é aquele que pelo Rio se inflama
O carioca é aquele que vive de gozação
Mas ama seus companheiros, pois todos são seus irmãos”
Ari do Cavaco / Otacílio
 
Nessas idas e vindas ao Rio de Janeiro, o carioca sempre consegue me surpreender. Seja pela malandragem ou pela camaradagem, eles nunca conseguem passar em branco. Meus sete leitores lembram do episódio em que um deles disse que estava me aplicando uma “tática comercial” para justificar uma situação em que ele ganharia mais na venda de duas capas de chuva. Claro que não colou. Mas desta vez, ao levar meu sobrinho Matheus comigo, a situação foi totalmente diferente.
 
Estávamos em Niterói prontos para ir ao jogo do nosso Botafogo. O destino era o Estádio Nilton Santos, no Engenho de Dentro. Uma longa viagem. Pegamos um ônibus no terminal com destino às proximidades da Central do Brasil. De lá, pegaríamos o trem para o estádio. Muitas linhas saem da Central do Brasil e meu receio era passar perto de uma cracolândia que fica perto da entrada da estação. Quando atravessamos a ponte Rio-Niterói, o motorista disse que saltaríamos em breve. Vestidos com a camisa do Botafogo, nos posicionamos perto da porta. Eis que surge o grande Altamir.
 
Escutei uma voz:
 
- Estão indo para o Engenhão? Cuidado com essas ruas próximas à Central do Brasil. São perigosas. Vou visitar meu irmão que mora ao lado do estádio.
 
Não me preocupei:
 
- Se estiveres indo para lá, podemos ir juntos. Afinal, vamos pegar o mesmo trem.
 
E descemos do ônibus. Como adiantara Altamir, a cena era meio triste. Uma longa rua com o comércio agitado. Nas calçadas, alguns “cracudos” e pessoas tomando cerveja. Altamir alertou:
 
- Vamos pelo meio da rua, entre os carros mesmo. É a maneira mais segura de chegarmos à Central do Brasil.
 
Seguimos e tudo deu certo. Durante o caminho, ele perguntou de onde éramos e ao saber que nossa casa era em Brasília, logo sorriu e disse que serviu na Marinha por alguns anos em nossa capital. O sorriso dele não saiu mais do rosto. Perguntou sobre como anda a cidade, a roubalheira dos políticos – mas lembrou que todos os estados mandam para lá a pior corja – e a seca tradicional do cerrado.
 
Já dentro do vagão rumo ao Engenho de Dentro, as cenas mais engraçadas já presenciadas por mim dentro de um trem. Se o conhecido “drops, halls, caramelo, amendoin... Só paga 100” te incomodava, em Brasília, no Grande Circular ou no eterno 145, imagine a seguinte frase:
 
“Atenção ao vendedor. Atenção. Eu estou aqui com esses tabletes de chocolate e vocês não vão adivinhar de onde são. São da Cacau Show. Ehhhh... Aquele que a Camila Pitanga faz propaganda no intervalo da novela. E NÃO SÃO ROUBADOS. Olha bem pra minha cara. Eu tenho cara de ladrão? Juro pela minha sogra mortinha que não são roubados. E o preço? Apenas 5 real. Quem mais vai querer?”
 
Muito interessante o senso de sobrevivência da pessoa. Mesmo sem ter vendido um quadradinho sequer, ele repetia aos gritos: “Quem mais vai querer?”. Confesso que não vi ninguém comprando. Ao mesmo tempo, uma confusão do outro lado do vagão.
 
- Te meto a porrada. Se não quer, não peça – esbravejou o vendedor de cerveja. Sim, um vendedor de cerveja dentro do trem rumo ao estádio. Eu não pensei duas vezes e comprei logo um latão. E olha que estava bem gelada.
 
Altamir, sempre sorrindo, disse:
 
- Hoje estão bem tranquilos. Durante a semana, você não consegue identificar nem o que estão vendendo. É uma gritaria só.
 
Chegamos ao Estádio Nilton Santos e, sempre muito prestativo, Altamir nos deu dicas de como voltar com segurança para Niterói. Disse para não pegarmos o ônibus 154 porque ele passa perto do Maracanã e tinha jogo do Flamengo logo depois. Voltar de trem também poderia ser perigoso, apesar de que quando o jogo do Botafogo terminasse, o do Flamengo já teria começado. A chance das duas torcidas se encontrarem nos trens era bem pequena. Na opinião dele, o melhor seria pegarmos o 170 até a Estação das Barcas e de lá seguir para Niterói. O 170 não passava perto do Maracanã.

Altamir fez questão de nos deixar no portão de acesso. Apesar de ser flamenguista, o que não tira o brio da figura, ele disse que estaria torcendo pelo Botafogo. Deu certo, vencemos o Náutico por 1 a 0. A volta para Niterói, apesar de longa de cansativa, ocorreu tudo bem. E o Altamir restou na memória deste humilde espaço de relatos sobre as andanças pela vida.

Ep. 2 - Um plano infalível

 Não demorou muito e precisei deixar a casa dos meus pais. Não sabia para onde ir ou a quem recorrer. Certo era que voltar a morar com eles ...