O
carioca é aquele que pelo Rio se inflama
O
carioca é aquele que vive de gozação
Mas
ama seus companheiros, pois todos são seus irmãos”
Ari
do Cavaco / Otacílio
Nessas
idas e vindas ao Rio de Janeiro, o carioca sempre consegue me surpreender. Seja
pela malandragem ou pela camaradagem, eles nunca conseguem passar em branco.
Meus sete leitores lembram do episódio em que um deles disse que estava me
aplicando uma “tática comercial” para justificar uma situação em que ele
ganharia mais na venda de duas capas de chuva. Claro que não colou. Mas desta
vez, ao levar meu sobrinho Matheus comigo, a situação foi totalmente diferente.
Estávamos
em Niterói prontos para ir ao jogo do nosso Botafogo. O destino era o Estádio
Nilton Santos, no Engenho de Dentro. Uma longa viagem. Pegamos um ônibus no
terminal com destino às proximidades da Central do Brasil. De lá, pegaríamos o
trem para o estádio. Muitas linhas saem da Central do Brasil e meu receio era
passar perto de uma cracolândia que fica perto da entrada da estação. Quando
atravessamos a ponte Rio-Niterói, o motorista disse que saltaríamos em breve.
Vestidos com a camisa do Botafogo, nos posicionamos perto da porta. Eis que surge
o grande Altamir.
Escutei
uma voz:
-
Estão indo para o Engenhão? Cuidado com essas ruas próximas à Central do
Brasil. São perigosas. Vou visitar meu irmão que mora ao lado do estádio.
Não
me preocupei:
-
Se estiveres indo para lá, podemos ir juntos. Afinal, vamos pegar o mesmo trem.
E
descemos do ônibus. Como adiantara Altamir, a cena era meio triste. Uma longa
rua com o comércio agitado. Nas calçadas, alguns “cracudos” e pessoas tomando
cerveja. Altamir alertou:
-
Vamos pelo meio da rua, entre os carros mesmo. É a maneira mais segura de
chegarmos à Central do Brasil.
Seguimos
e tudo deu certo. Durante o caminho, ele perguntou de onde éramos e ao saber
que nossa casa era em Brasília, logo sorriu e disse que serviu na Marinha por
alguns anos em nossa capital. O sorriso dele não saiu mais do rosto. Perguntou
sobre como anda a cidade, a roubalheira dos políticos – mas lembrou que todos
os estados mandam para lá a pior corja – e a seca tradicional do cerrado.
Já
dentro do vagão rumo ao Engenho de Dentro, as cenas mais engraçadas já
presenciadas por mim dentro de um trem. Se o conhecido “drops, halls, caramelo,
amendoin... Só paga 100” te incomodava, em Brasília, no Grande Circular ou no
eterno 145, imagine a seguinte frase:
“Atenção
ao vendedor. Atenção. Eu estou aqui com esses tabletes de chocolate e vocês não
vão adivinhar de onde são. São da Cacau Show. Ehhhh... Aquele que a Camila
Pitanga faz propaganda no intervalo da novela. E NÃO SÃO ROUBADOS. Olha bem pra
minha cara. Eu tenho cara de ladrão? Juro pela minha sogra mortinha que não são
roubados. E o preço? Apenas 5 real. Quem mais vai querer?”
Muito
interessante o senso de sobrevivência da pessoa. Mesmo sem ter vendido um
quadradinho sequer, ele repetia aos gritos: “Quem mais vai querer?”. Confesso
que não vi ninguém comprando. Ao mesmo tempo, uma confusão do outro lado do
vagão.
-
Te meto a porrada. Se não quer, não peça – esbravejou o vendedor de cerveja.
Sim, um vendedor de cerveja dentro do trem rumo ao estádio. Eu não pensei duas
vezes e comprei logo um latão. E olha que estava bem gelada.
Altamir,
sempre sorrindo, disse:
-
Hoje estão bem tranquilos. Durante a semana, você não consegue identificar nem o
que estão vendendo. É uma gritaria só.
Chegamos
ao Estádio Nilton Santos e, sempre muito prestativo, Altamir nos deu dicas de
como voltar com segurança para Niterói. Disse para não pegarmos o ônibus 154
porque ele passa perto do Maracanã e tinha jogo do Flamengo logo depois. Voltar
de trem também poderia ser perigoso, apesar de que quando o jogo do Botafogo
terminasse, o do Flamengo já teria começado. A chance das duas torcidas se
encontrarem nos trens era bem pequena. Na opinião dele, o melhor seria pegarmos
o 170 até a Estação das Barcas e de lá seguir para Niterói. O 170 não passava
perto do Maracanã.
Altamir fez questão de nos deixar no portão de acesso. Apesar de ser flamenguista, o que não tira o brio da figura, ele disse que estaria torcendo pelo Botafogo. Deu certo, vencemos o Náutico por 1 a 0. A volta para Niterói, apesar de longa de cansativa, ocorreu tudo bem. E o Altamir restou na memória deste humilde espaço de relatos sobre as andanças pela vida.
Altamir fez questão de nos deixar no portão de acesso. Apesar de ser flamenguista, o que não tira o brio da figura, ele disse que estaria torcendo pelo Botafogo. Deu certo, vencemos o Náutico por 1 a 0. A volta para Niterói, apesar de longa de cansativa, ocorreu tudo bem. E o Altamir restou na memória deste humilde espaço de relatos sobre as andanças pela vida.